quinta-feira, 23 de maio de 2013

"And here's a story about being free"

Ouvir esta citação numa música me fez pensar: quantas histórias nos contam que é sobre ser, ou ao menos se sentir, livre? A liberdade é assim tão rara ou somos nós que procuramos com toda força criar nossas prisões? E se nos contam sempre as mesmas narrativas nas quais não existe solução, é culpa nossa criarmos essas prisões? Se o mundo procura incessantemente formas de nos prender, o mundo humano talvez, é culpa nossa a sensação de que falta algo para nos libertar?

O inferno, de quem é? E a morte... A morte?

Eu achei genial uma música se propor a contar, ainda mais através de um instrumental, "uma história sobre ser livre". De tanto ouvir falar sobre correntes e tragédias pessoais, foi um alívio começar meu dia sabendo que histórias assim também são narradas por aí.



"You can't go home again"

domingo, 5 de maio de 2013

"Caligrafia de Asfalto": um convite ao sentimento





Já são quase 6 meses desde que peguei a primeira cópia digital de “Caligrafia de Asfalto”, e por mais que quisesse por em palavras todas as impressões e emoções que este livro me inspirou, era como se elas não viessem. E isso não por ser um livro ruim, sequer mediano: o texto de Alan é extremamente envolvente, cheio de nuances que vão da mais funda tristeza até a mais doce alegria, e perante tudo isso, fica realmente difícil de elencar frases que possam representar um pouco do que eram as idas e vindas do autor, começando sua vida de universitário, entre Leopoldina e Ouro Preto. Como prometi que faria uma espécie de resenha do livro, cá estou eu, pondo finalmente em palavras tudo o que as palavras dele me trouxeram... Escrevo aqui um pequeno resumo de um universo, é bom que saibam.

“Caligrafia de Asfalto” é um livro de contos não-linear. A única marcação clara de tempo está no momento de chegada e, talvez, na última partida, quando nosso eu-lírico (sim, uma prosa poética) finalmente pega suas lembranças e malas e volta para casa. Há marcas temporais bem mais sutis, no entanto; elas residem no amadurecimento que fez de nosso companheiro de viagem ir de um garoto extremamente curioso até a forma de um homem. Um homem jovem, mas mais sensato, capaz de lidar com questões sufocantes e inacabadas, tomadas especialmente na forma de um relacionamento que se desfez diante da incompetência do outro em crescer. É notável como o “personagem” (se podemos deixar nesses termos) passa por diferentes estações de sua vida, com um relato tão finamente escrito que nos faz sentir o que ele sente. Ler “Caligrafia” é estar na presença desse suposto “Alan”, ser seu amigo, seu confidente, e isto cria um sentimento de empatia que por vezes nos faz querer abraçá-lo, pô-lo no colo ou simplesmente fugir desse mundo barulhento até um ponto de pleno silêncio, de paz. O eu-lírico nos convida de modo gracioso a percorrer suas diferentes trilhas, fazendo com quem sintamos amor, resignação, tristeza e raiva, raiva de gente que não sabe ir para frente... Até nós mesmos, em nossos defeitos mais dementes.

E uma das coisas que mais embala a viagem de Alan, e consequentemente a nossa, é a música. Há referências concretas a uma sorte de canções e artistas, em especial mulheres, as quais são extremamente familiares a quem goste do lado mais confessional da força. Enquanto a jornada começa ao som de Hand In My Pocket, música de uma jovem Alanis Morissette que procurava sua voz entre gritos, frescor e pontos fracos, ela vai se firmando entre outros mundos. Um deles é o de Tori Amos, que adentra de forma quieta a história de nosso amigo e se faz presente mais em momentos do que em referências. Bem dizer, o sentimento de resgate e perda, de ir em frente e ter de deixar (ainda que temporariamente) pessoas amadas em nome de um futuro, é algo que permeia o livro, assim como permeia Gold Dust, obra-prima desta cantora e compositora. Há ainda a doçura de Bouncing Off Clouds aqui e ali, bem como um pouco do ferrão e do mel das abelhas sendo sentidos por todo lugar... “A Apicultora”* pode se encaixar muito bem no caminho de nosso amigo. Alanis ainda retorna, num momento mais maduro, para ajudá-lo a superar suas decepções amorosas. “Day one, day one”... Uma hora todos temos de começar de novo, e isto brilha em “Caligrafia de Asfalto”: a sensação de que é possível sim recomeçar. “Star over again”.

Outro aspecto surpreendente, talvez o mais virtuoso do texto de Alan, o escritor, é a forma como o sexo é abordado. Se no começo ele é marcado por uma urgência adolescente, evolui para estar completamente atado ao amor, dando à sexualidade um estatuto sagrado. Todas as metáforas, as cenas descritas, as imagens criadas são coloridas, mas num tom suave, tom que suscita até compaixão. Compaixão pelo outro, pela vontade de fazer o outro feliz, compaixão no prazer que vem de ao outro dar prazer. E assim não fica difícil de ter uma quedinha pelo eu-lírico, ou ao menos pela forma como ele ama. É notável como ama, como faz amor, faz amar... Um dos contos, em particular, retrata o que falo: “Beija-flor”, no qual o ser amado é comparado ao pássaro no momento em que estão juntos, e disso surgem notáveis desdobramentos.

Existe uma quantidade infinda de outros contos e trechos do livro que poderia citar como incríveis, de tirar o fôlego, mas gostaria de dar destaque a somente mais um nessa pequena resenha que escrevo sobre “Caligrafia de Asfalto”: o texto da peça “Promete que Jura?”, montada para a VII Semana de Artes da UFOP e ganhadora de vários prêmios no evento. É simples, preparado para dois personagens e um locutor, mas profundamente tocante justo em sua simplicidade. É sobre o nascimento de uma paixão, uma paixão quase infantil, cheia de dúvidas que vão sendo aos poucos sanadas pela doçura e vontade do casal em crescer juntos. Uma das coisas mais gentis que já li em minha vida, e devo admitir que a emoção não se aguentou e caiu pelos meus olhos ao terminar de ler esta pequena pérola. É uma pérola.

Por fim, gostaria de apontar outro aspecto delicioso da leitura deste livro: ele é fácil, fácil de ler, mas nem por isso menor ou - pejorativamente - ingênuo. Toda vez que o li praticamente foi “devorando”, uma vez que cada página, cada capítulo, cada palavra instigava à próxima, fazendo com que o final chegasse como uma brisa, pela naturalidade que percorre todos os caminhos que nosso agora amigo seguiu. Existe algo na escrita de Alan Villela Barroso que torna a vida mais válida; através de suas histórias, sejam elas reais ou fantasiosas, leais ou fantasiadas, é possível resgatar o sentimento, a vontade de estar perto, o desejo de abraçar e ser abraçado por aqueles que tanto amamos mas, vez em sempre, esquecemos. “Caligrafia de Asfalto” merece ser lido e relido, e relido mais uma vez, para que sintamos desejo de vida.

Desejo de uma vida mais bonita.



* “A Apicultora” é uma tradução livre para o título de um disco de Tori Amos, “The Beekeeper”.

Ps. 1: Se depois de ler esta resenha, quiser adquirir o livro, segue o link AQUI.

Ps. 2: aqui um vídeo criado pelo próprio Alan para a canção de Tori citada em minha resenha, Gold Dust.

Pela Janela Gold Dust, Tori Amos