domingo, 27 de janeiro de 2013

O silêncio de Casa

O sol está tão vivo hoje.
E o céu mais azul que de costume.
Isso me lembra daquela semana, aquela semana fatídica.
Lembro bem que, pouco depois de ter lhe perdido, os dias foram lindos. Por fora, lindos.

- É o céu fazendo festa pela chegada dela!
- É, deve ser.

E hoje, mais uma vez, o dia está lindo. E por fora, minha pele brilha como se a vida fosse um córrego de água cristalina. Eu vejo o quanto ainda existe de beleza no mundo, mas por hoje só da minha janela. A casa está mais silenciosa que o habitual.
Porque hoje morreu tanta gente. Hoje morreram tantos pais, e eu sei o que isso significa. Eu vivo com gente morta, mesmo que parcialmente, mesmo que somente em algumas partes. Vivo com a morte dentro de mim também, um pedaço que lentamente se degenera até nada mais existir. É lento, mas está lá. Nada há de virar, mas até nada virar, está lá. E eu cá, na janela lateral, a esperar. E olhar. E esperar.

Eu queria tanto que nossa compaixão fosse o bastante. Queria que o corpo perdido não representasse muito, queria que vocês não fossem impelidos a se afogar em lágrimas. Mas não dá. Não dá para lhes salvar do que há de mais natural... Somos um corpo também, é impossível fugir dele, e por isso existe o luto.

O luto pelas palavras não mais trocadas. O luto pelos abraços partidos. O luto pela certeza negada de que um filho não voltará ao ninho. O luto pela filha que não está mais comigo. Luto pelo fragmento de vida que está por aí. E aqui. Sim, aqui.

E hoje, mais uma vez, o dia está lindo. Aberrante, impreciso, cheio de corpos, cheio de ausências que pesarão sobre meu sorriso.

A beleza consegue ser tão sonsa... A beleza, às vezes, é só um vício.




"Come, baby, let's drown..."

domingo, 20 de janeiro de 2013

"Flor"

Esse texto é tudo o que posso ser. Tudo o que mais quero ser.

Eu ouço você chegar. Tiro meus chinelos velhos e me deito na cama, esperando chamar meu nome pra que possa responder como quem não quer nada, “no quarto, vem aqui”. Eu lhe olho entrando e abro meu sorriso mais gentil... Você já pode me beijar.

- Como foi seu dia?
- Uma porcaria, lembra daquele fulano da secretaria? Fez merda de novo, e ainda perdeu uns arquivos com o contrato da prestadora de serviços! Consegui recuperar depois, mas deu trabalho... E o seu? Chegou mais cedo em casa...
- Tudo tranquilo, como tive de passar no banco consegui sair mais cedo e vim direto pra cá. Vim pensando em você...
- Pensando em mim? Por quê?
- Você, meu marido, espera que tenha outra razão pra lembrar de você?
Começou o romantismo... - diz, já sorrindo.

Capturando minha hesitação com seus olhos imensos e escuros, você se aproxima de mim e beija. Beija como onda alcançando a areia. Beija como um marinheiro, encantado pela beleza de uma sereia. Beija, beija com doçura, mas segurança, a segurança de quem sabe como beijar. Como me beijar, me amar.

E eu sinto seus braços me envolvendo, e meu coração batendo, minhas forças cedendo ao poder que só você tem sobre mim. Quanto mais perto chega, ouço também sua respiração, seu coração veloz e acelerando, como uma força natural, como a promessa de boa terra que li em sua pele, desde a primeira vez que o toquei.

- Você lê com as mãos?
- Não preciso dos olhos quando é você que vejo.

E mais um beijo, agora mais forte, mais sugado, mais roubado que antes e me fazendo desfalecer por uns poucos segundos. Começo a me despir de qualquer empecilho, ao passo que você faz o mesmo, e assim sinto que chega a hora de nos unirmos, como costumamos fazer. Mesmo violado, eu sou uma flor. Mesmo animalesco, você honra meu ardor. E fazemos amor.

Nós fazemos amor.

- Eu te amo.
- Eu te amo mais...
- Vai começar com essa besteira?
- Tá bom, você me ama mais...
- Eu te amo igual. Nós somos iguais.

- Nós somos um só, meu amor.

Somos natureza, natureza sagrada. Flor inviolável, da alma.