sábado, 16 de novembro de 2013

Equilibrismo

Queria tanto que esse sentimento de esperança durasse. Mais sei bem que amanhã começa tudo outra vez. Acordar e lembrar de você. E ter vontade de recorrer a você, até conseguir achar uma justificativa mais aceitável para nossa separação. Pois é só assim que consigo dar mais sorriso a meu dia. Mesmo que conversarmos seja ouvir que não me quer mais, pelo menos foram palavras trocadas. E você, que representava minha mais doce virtude, passa a ser meu mais torpe vício. O vício de procurar por alguém que não mais irá me aceitar. Alguém que pode querer me ajudar, ser gentil, mas que só vai me machucar. Alguém que um dia falava de amor, e aos poucos, quase sem perceber, desistiu. Esse alguém era eu.

Você e eu. Nem um, nem mil.

E o que mais quero agora é me livrar disso tudo. Abrir as janelas da manhã e ver um céu azul me dizendo que o dia pode ser melhor. Quero sentir que existe um mundo grande o bastante para que ele lhe consuma e me dê a chance de encontrar mais amor, outra vez. A chance de encontrar em outro espírito as chaves para o meu. Para reabri-lo. Para reparti-lo. E ter comigo. Ter consigo. O que mais quero é recobrar a certeza de que as coisas vão melhorar. Mas me parece que vai demorar. E vai desconfiar. Vai me encher de dúvidas até conseguir acreditar. E, de novo, vamos brigar. Vamos desanimar. Vamos criar amor novo para que as coisas voltem a seu lugar. Mas com quem será? "Com quem será que Hernando vai casar?".

Você ou eu? Quem de nós me cortejará?

E agora é um registro tosco do que sinto em meu papel de equilibrista, levando nos braços uns 15 cacarecos que teimam em pesar. Equilibrá-los é como segurar a mim mesmo, mantendo meus pedaços ligados, mesmo que frouxamente, mesmo que só por um laço. Pois eu não quero desatar. Nem em lágrimas, personagens, ou em neuroses que uma despedida possa me causar. Eu quero ser inteiro, e quero ser inteiro antes de nova metade encontrar. Pois, ainda, eu quero me casar.

Com quem será? Com quem será?

terça-feira, 8 de outubro de 2013

What is Freedom (for me)

Written for #ArtForFreedom and #secretprojectrevolution

FREEDOM

Freedom is not a sin
Nor it is a fault
Freedom cannot be measured
Only felt, or not

Freedom is born from Bravery
Through It she finds its way
That’s why we struggle to find it
As they teach us to be afraid

Because they’re all afraid, too
Afraid of the pain and death
Things that in us inhabit
There’s no escape from that

Learn from the dark inside you
Learn what you need to, dear
For there’s light all around you
Don’t live your life in fear


Photo from Recife, Brazil

quinta-feira, 23 de maio de 2013

"And here's a story about being free"

Ouvir esta citação numa música me fez pensar: quantas histórias nos contam que é sobre ser, ou ao menos se sentir, livre? A liberdade é assim tão rara ou somos nós que procuramos com toda força criar nossas prisões? E se nos contam sempre as mesmas narrativas nas quais não existe solução, é culpa nossa criarmos essas prisões? Se o mundo procura incessantemente formas de nos prender, o mundo humano talvez, é culpa nossa a sensação de que falta algo para nos libertar?

O inferno, de quem é? E a morte... A morte?

Eu achei genial uma música se propor a contar, ainda mais através de um instrumental, "uma história sobre ser livre". De tanto ouvir falar sobre correntes e tragédias pessoais, foi um alívio começar meu dia sabendo que histórias assim também são narradas por aí.



"You can't go home again"

domingo, 5 de maio de 2013

"Caligrafia de Asfalto": um convite ao sentimento





Já são quase 6 meses desde que peguei a primeira cópia digital de “Caligrafia de Asfalto”, e por mais que quisesse por em palavras todas as impressões e emoções que este livro me inspirou, era como se elas não viessem. E isso não por ser um livro ruim, sequer mediano: o texto de Alan é extremamente envolvente, cheio de nuances que vão da mais funda tristeza até a mais doce alegria, e perante tudo isso, fica realmente difícil de elencar frases que possam representar um pouco do que eram as idas e vindas do autor, começando sua vida de universitário, entre Leopoldina e Ouro Preto. Como prometi que faria uma espécie de resenha do livro, cá estou eu, pondo finalmente em palavras tudo o que as palavras dele me trouxeram... Escrevo aqui um pequeno resumo de um universo, é bom que saibam.

“Caligrafia de Asfalto” é um livro de contos não-linear. A única marcação clara de tempo está no momento de chegada e, talvez, na última partida, quando nosso eu-lírico (sim, uma prosa poética) finalmente pega suas lembranças e malas e volta para casa. Há marcas temporais bem mais sutis, no entanto; elas residem no amadurecimento que fez de nosso companheiro de viagem ir de um garoto extremamente curioso até a forma de um homem. Um homem jovem, mas mais sensato, capaz de lidar com questões sufocantes e inacabadas, tomadas especialmente na forma de um relacionamento que se desfez diante da incompetência do outro em crescer. É notável como o “personagem” (se podemos deixar nesses termos) passa por diferentes estações de sua vida, com um relato tão finamente escrito que nos faz sentir o que ele sente. Ler “Caligrafia” é estar na presença desse suposto “Alan”, ser seu amigo, seu confidente, e isto cria um sentimento de empatia que por vezes nos faz querer abraçá-lo, pô-lo no colo ou simplesmente fugir desse mundo barulhento até um ponto de pleno silêncio, de paz. O eu-lírico nos convida de modo gracioso a percorrer suas diferentes trilhas, fazendo com quem sintamos amor, resignação, tristeza e raiva, raiva de gente que não sabe ir para frente... Até nós mesmos, em nossos defeitos mais dementes.

E uma das coisas que mais embala a viagem de Alan, e consequentemente a nossa, é a música. Há referências concretas a uma sorte de canções e artistas, em especial mulheres, as quais são extremamente familiares a quem goste do lado mais confessional da força. Enquanto a jornada começa ao som de Hand In My Pocket, música de uma jovem Alanis Morissette que procurava sua voz entre gritos, frescor e pontos fracos, ela vai se firmando entre outros mundos. Um deles é o de Tori Amos, que adentra de forma quieta a história de nosso amigo e se faz presente mais em momentos do que em referências. Bem dizer, o sentimento de resgate e perda, de ir em frente e ter de deixar (ainda que temporariamente) pessoas amadas em nome de um futuro, é algo que permeia o livro, assim como permeia Gold Dust, obra-prima desta cantora e compositora. Há ainda a doçura de Bouncing Off Clouds aqui e ali, bem como um pouco do ferrão e do mel das abelhas sendo sentidos por todo lugar... “A Apicultora”* pode se encaixar muito bem no caminho de nosso amigo. Alanis ainda retorna, num momento mais maduro, para ajudá-lo a superar suas decepções amorosas. “Day one, day one”... Uma hora todos temos de começar de novo, e isto brilha em “Caligrafia de Asfalto”: a sensação de que é possível sim recomeçar. “Star over again”.

Outro aspecto surpreendente, talvez o mais virtuoso do texto de Alan, o escritor, é a forma como o sexo é abordado. Se no começo ele é marcado por uma urgência adolescente, evolui para estar completamente atado ao amor, dando à sexualidade um estatuto sagrado. Todas as metáforas, as cenas descritas, as imagens criadas são coloridas, mas num tom suave, tom que suscita até compaixão. Compaixão pelo outro, pela vontade de fazer o outro feliz, compaixão no prazer que vem de ao outro dar prazer. E assim não fica difícil de ter uma quedinha pelo eu-lírico, ou ao menos pela forma como ele ama. É notável como ama, como faz amor, faz amar... Um dos contos, em particular, retrata o que falo: “Beija-flor”, no qual o ser amado é comparado ao pássaro no momento em que estão juntos, e disso surgem notáveis desdobramentos.

Existe uma quantidade infinda de outros contos e trechos do livro que poderia citar como incríveis, de tirar o fôlego, mas gostaria de dar destaque a somente mais um nessa pequena resenha que escrevo sobre “Caligrafia de Asfalto”: o texto da peça “Promete que Jura?”, montada para a VII Semana de Artes da UFOP e ganhadora de vários prêmios no evento. É simples, preparado para dois personagens e um locutor, mas profundamente tocante justo em sua simplicidade. É sobre o nascimento de uma paixão, uma paixão quase infantil, cheia de dúvidas que vão sendo aos poucos sanadas pela doçura e vontade do casal em crescer juntos. Uma das coisas mais gentis que já li em minha vida, e devo admitir que a emoção não se aguentou e caiu pelos meus olhos ao terminar de ler esta pequena pérola. É uma pérola.

Por fim, gostaria de apontar outro aspecto delicioso da leitura deste livro: ele é fácil, fácil de ler, mas nem por isso menor ou - pejorativamente - ingênuo. Toda vez que o li praticamente foi “devorando”, uma vez que cada página, cada capítulo, cada palavra instigava à próxima, fazendo com que o final chegasse como uma brisa, pela naturalidade que percorre todos os caminhos que nosso agora amigo seguiu. Existe algo na escrita de Alan Villela Barroso que torna a vida mais válida; através de suas histórias, sejam elas reais ou fantasiosas, leais ou fantasiadas, é possível resgatar o sentimento, a vontade de estar perto, o desejo de abraçar e ser abraçado por aqueles que tanto amamos mas, vez em sempre, esquecemos. “Caligrafia de Asfalto” merece ser lido e relido, e relido mais uma vez, para que sintamos desejo de vida.

Desejo de uma vida mais bonita.



* “A Apicultora” é uma tradução livre para o título de um disco de Tori Amos, “The Beekeeper”.

Ps. 1: Se depois de ler esta resenha, quiser adquirir o livro, segue o link AQUI.

Ps. 2: aqui um vídeo criado pelo próprio Alan para a canção de Tori citada em minha resenha, Gold Dust.

Pela Janela Gold Dust, Tori Amos



terça-feira, 9 de abril de 2013

Há como se defender Marco Feliciano?

Tenho visto manifestações no meu facebook indicando uma certa predileção pela estadia dele como Presidente da Comissão de Direitos Humanos, e assim, não sei se as pessoas que estão postando isso são contra o movimento LGBT (suponho que sejam), mas espero que compreendam que a batalha que vem sendo travada para retirá-lo de onde está não é restrita a este grupo social. Feliciano ofende mulheres, negros e religiões diversas com suas declarações bizarras, e honestamente, se você julga que é uma batalha somente entre "os gays" e um "pastor evangélico", me desculpe, mas está muito enganado.

Feliciano é um completo contra-senso. Ele não tem o mínimo cacife para presidir uma comissão que é naturalmente voltada a defender aqueles que ele julga serem necessitados de submissão, conversão e, em último caso, cura, o que me faz discordar sem qualquer receio de quem o considere apto a estar onde está. Eu respeito a religião de cada um, não sou de ficar criticando a torto e a direito as escolhas espirituais que um ou outro toma, até porque convivo diretamente com evangélicos e sei que, havendo respeito, podemos ter uma relação tranquila. Mas peço a todos e todas que, antes de se mostrar um completo partidário dele, pensem se ele verdadeiramente representa seus anseios como cidadão de bem que deseja proliferar posturas positivas e de aceitação do outro, do diferente, em nossa sociedade já tão castigada.

E só mais uma coisa, um pouco mais específico à minha alçada: a expressão Ditadura Gay tem virado arroz de festa na boca de algumas pessoas... Se existisse essa tal imposição e opressão causada por homossexuais, porque isso é o que se pressupõe de uma ditadura, por que somos nós, os LGBT, que temos nossos direitos básicos negados em boa parte do país? Por que nós, os LGBT, ainda somos alvo de agressões físicas e morais, desde bem cedo, desde quando na escola sofríamos bullying sem qualquer razão aparente para tal? Por que nós, LGBT, fomos sempre relegados a espaços de guetos e até hoje somos alvos de opressão, na forma de olhares incisivos que podem evoluir para gestos mais violentos, ao mínimo sinal de afeto que demonstramos por pessoas amadas (que às vezes nem são nossos namorados/maridos ou namoradas/esposas)?

Vocês tem certeza de que essa suposta ditadura é gay?

sábado, 9 de março de 2013

O tempo, o tempo e nossos enganos

Uma das coisas que mais marca o crescimento é nosso sentido de tempo. Creio que todos nós sintamos que, quando envelhecemos, é como se os anos mudassem o ritmo de suas passadas... Antes iam a passos calmos, vagarosos, chegavam a dar raiva e nós deixavam loucos para que os dias voassem. Até que eles de fato começam a voar. Depois de uma certa idade, é tão comum ouvir coisas como "já estamos em março!", "o ano mal começou", "já está terminando, gente!"... Enfim, a forma como percebemos os segundos muda - e com ela, muda também nossa percepção de vida. E ela então passa rápido, muito rápido.

A história humana data de dezenas de milhares de anos, e talvez por isso tenhamos a impressão que muito do que aprendemos em história sejam coisas "velhas", num tom pejorativo. O que quero dizer é que acontecimentos que estão distantes de nós na medida de uma vida humana acabam nos parecendo como afastados por uma eternidade, quando, na verdade, não estão. E se você pensa com um pouco mais de atenção, acaba se deparando com o fato de que certas atrocidades que nossa raça cometeu aconteceram a 70 anos ou menos... Uma delas, mácula indelével sobre a índole do homem, é o holocausto. Ser judeu ou homossexual, entre outros, podia levá-lo a definhar num campo de concentração, sendo escravizado, utilizado em experimentos bizarros e, em última instância, morrendo dentro de uma câmara de gás ou de maneiras ainda piores... Coisa que não é bom nem imaginar. E aqui retomo o foco para o tempo: isso aconteceu há pouco mais de 7 décadas. Existem testemunhas oculares dessa tragédia vivas até hoje, e é bem possível que elas lembrem de toda as mazelas e histórias que se ouvia naquela época como se fossem de ontem... Porque ontem sempre está mais perto do que, na maior parte do tempo, mensuramos.

Agora, voltando ao século XXI, com o que nos deparamos? Um deputado dono de declarações homofóbicas e racistas (por que será que isso me lembra o nazismo?) assumindo um cargo-chave para decisões que envolvem as minorias ainda oprimidas de nossa sociedade, a Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara. Tudo bem que considerar isso o começo de um novo holocausto é bem exagerado, mas são conceitos virulentos que persistem no mundo e, em maior ou menor grau, não foram superados pela sociedade humana. O Brasil é um país que já repudia o racismo legalmente, bem como se abre, ainda que à força, cada vez mais a discutir a cidadania LGBT, mas por aí tem lugares que condenam criminalmente a prática homossexual (à morte, por exemplo), e tratam suas mulheres como objetos a serem manuseados pelo pai/marido/qualquer homem que se torne responsável pela mesma. A verdade é que o machismo está presente no dia-a-dia do nosso país, mas quando falo destas outras nações, faço referência a meninas e moças que, ao bel prazer de seu cônjuge, pode ser mutiladas, abusadas, humilhadas e mortas de formas inacreditáveis... Enfim, o preconceito deixa marcas em todo lugar, e infelizmente está longe de ser superado.

Daí me pergunto: o quão distantes nós, como sociedade humana, estamos do holocausto? Será que podemos viver realmente seguros de que o futuro será de liberdade plena e compaixão como instituto maior da experiência humana? Quem nos garante que a ganância e maldade humana tem autocontrole o bastante para que o caos não tome proporções apavorantes mais uma vez? Na verdade, nada nos garante um futuro mais pacífico... E a julgar pelo nosso caminho, dá até para imaginar o quanto todos nós, mulheres, homens, pretos, brancos, gays, héteros, transexuais, enfim, NÓS corremos grandes riscos. E isso me dá calafrios.

Isso me dá calafrios.

O tempo não pára de passar, e se hoje felizmente estamos em outra época, não quer dizer que já superamos as anteriores, ou que estão distantes demais. Engana-se vergonhosamente quem acha que as feridas já viraram cicatrizes.
Pois elas ainda sangram, sangram no espírito de quem sofreu e ainda sofre, dia após dia.

Portanto, lutar é necessário.
Lutar e lutar e lutar até o ódio se calar. Travar a batalha pacífica que nos tornará maiores que nossas misérias.

Encontrar o amor como a resposta mais sincera.
O amor, antes de tudo, como a resposta mais sincera.


"Love is love, and there will never be too much"

Fiona Apple

domingo, 3 de março de 2013

Ray of Light, em três partes



Hoje meu disco predileto de Madonna completa 15 anos. E até tentei escrever um texto semelhante ao que fiz para o Erotica (que fez 20 anos em 2012), mas não consegui. Acabei apelando para os sentidos, e deles nasceram três partes de uma história não-linear e incompleta. Uma história que representa parcamente o que o Ray of Light é para mim. Espero que haja espaço para vocês também, aqui.

E parabéns, Rol! Muito obrigado.


LIGHT

PARTE I - Drowned World/Substitute For Love & Ray of Light

E é um mundo em minha vista. Um mundo inteiro, cheio de acertos, de erros, de sonhos, desejos, apelos e desapegos, fogo morto, chama viva. É um mundo inteiro que hoje vejo, da janela que se abre em minha mente e traz, no zéfiro desta noite escura, a certeza de que a alma não só visita. Ela é viva, e quer vida.
Pois é um mundo tão grande, gira tão rápido, e mesmo não saindo de seu lugar continua eternamente a mudar. É um mundo que morre e renasce todos os dias, uma imensidão que explode em todas as cores espalhadas pela trilha. É vermelho, é amarelo, é azul e cinza. Rosa choque, branco de paz, preto de luto, verde de vida. É certeza de que seu peito explodirá, todo dia. É certeza de que teremos algo por nós, todo dia.

E o amor é suficiente. E o mundo é suficiente. A comida, a nudez, as palavras, todas são suficientes. Eu estou em casa.

“This is my religion”

É suficiente.


PARTE II - The Power of Goodbye & Frozen

Ouço o silêncio entre nós, e como se soubesse que a noite está para acabar, abro os olhos para contemplar o resto da escuridão. E nela vejo as lembranças. Vejo os presentes, as festas, as noites em claro e os dias, tão iluminados... Eu vejo a distância. E um resquício ínfimo de esperança.
Mas não posso me apegar a ela, o tempo disso já passou. Ouço mais uma vez o silêncio, e um peso em mim se alojou. Acho que você foi à porta... Será que finalmente vai embora?

“Your heart is not open, so I must go”

Nem o seu, muito menos o seu. Na verdade, não posso nem falar coisas assim, pois não houve culpados. Tentamos com toda a força que restava reconstruir esta casa, mas como edificá-la se a terra sob ela foi roubada? Não temos mais chão, não temos mais nada. Observo a escuridão cada vez mais ciente de que a manhã é chegada.
E pela segunda vez, você foi à porta. Pela terceira vez, depois de voltar à cama, vejo sua sombra caminhando até lá fora. E entre palavras que não valem de nada, já com a luz invadindo o espaço, dou-lhe um beijo enfadado e desejo o melhor como resposta.
O melhor... Quem se importa?

“If I could melt your heart...”

Mas ele não era frio.
Só invernava.

Vejo a neve caindo, nesta casa.


PARTE III - Mer Girl

Eu sou uma mulher que procura. Eu corro enquanto procuro. E mesmo indo rápido, reparo em todos os detalhes que meus olhos possam captar. Eu ouço você chorar, nunca pude lhe ignorar.
Mas eu sou uma mulher que corre de monstros, e de fantasmas. Eu corro deles e a seu encontro, já que na inconsciência de minhas passadas continuam a aparecer em todo lugar. A meu lado, minha mãe. E do outro, minha filha. Eu as engulo, não posso evitar. E eu corro, não posso evitar.
Porque a corrida não é o bastante. Porque a vida também não é. Se nenhuma das duas tem função de fato, poderia até parar... Mas minhas pernas não me deixam por um instante pensar em ficar. Não posso ficar. E corro, com a mesma intensidade de quando era menina e sabia que você tinha ido embora. Eu corro para lhe encontrar, e lhe abraçar, saber que você não deixou de estar lá. Fui ao cemitério para lhe encontrar.

“And I smelt her burning flesh
Her rotting bones,
Her decay.”

E de lá, eu corri.
Foi como, num instante cego, eu me vi.
E corri.

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"Nothing really matters, love is all we need. Everything I give you, all comes back to me"

quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

Vício

Sobre batalhas perdidas.
Batalhas típicas do nosso dia-a-dia.



Vício

Estamos nós em frangalhos,
E a única coisa que consigo fazer
É olhar para o alto,
Contemplar o céu,
Para depois, com paciência,
Recolher meus retalhos

Não consigo mais brigar
Não tenho mais forças para lutar
E se essa luta nunca nos levou
A outro lugar,
Eu desisto
Levanto minhas mãos para o alto,
E como meu último suplício,
Eu desisto

Olho para você,
Ciente do que estou para perder
Mas nem a lembrança do seu mais doce olhar
Pode me interromper
Já peguei minhas malas,
E o táxi está para chegar
Boa sorte, minha angústia,
Hora de lhe deixar

Depois de tanto tempo,
É como se o óbvio se fizesse entender:

Eu não preciso ficar
Nem precisa você

Nem eu,
Nem você




"I feel nothing when you cry. I hear nothing, see no need to reply. I can smile now and turn away, come over here so you can see me walk away... And celebrate the end of night."

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

Enfadada

Dedicado a Victor e Netto.

Enfadada

“I am awake and I cannot sleep”. É como se tivesse um peso sobre meu ventre, um peso que me faz permanecer sentado nesse sofá, procurando formas de me livrar dele, forma de me levantar. E acabo apelando às palavras, que nem tem muita razão para nascer agora, mas me parecem ser a única solução para afastar esse peso de mim, ele que me faz não querer minha cama, mesmo depois de um dia fatigado. Enfim, estou acordado e não consigo dormir... Tem algo crescendo dentro de mim.

E é como se já fosse de manhã, e eu tivesse de trabalhar outra vez. Como se não houvesse tempo a perder de olhos fechados, e minha vida pedisse com urgência que acordasse, acordasse dessa letargia que me consome os dias. Acordasse para o fim do mundo, para os poucos segundos, para uma existência que ao tomar posse de si, acaba. Acordasse para a beleza e a feiura das almas. Despertasse para a sobriedade que existe em cada roupa lavada. Percebesse que não é pesado o fardo, quando sabemos que perante a eternidade, não é nada. O fardo da vida não é nada quando se tem uma eternidade que, efêmera, rouba nossas mágoas. E nos faz livres, ainda que em milésimos de medidas de tempo que se evanescem na velocidade que chega a alvorada.

É noite, não consigo dormir. Mas é belo sentir o frio escuro da madrugada.

E esse peso suaviza. Esse peso vira outra coisa, outra questão inacabada. Algo que busco responder escrevendo e escrevendo e escrevendo, achando rasuras do que seria uma solução, mas apenas patinando em torno das minhas palavras. Palavras roubadas. Coisas usurpadas. Um monte de tempo perdido na tentativa de descobrí-las. Um tanto de vida ganha nos momentos de encontrá-las. E um peso que diminui, a cada novo verbete, a cada novo sentido, em cada passo na estrada.

Passo que leva. Passo que afasta.
Passo que reza. Passo que traga.

E eu posso dormir, depois desta reza profanada. Posso sentir que meu ventre cresce, e repele este peso até algo de novo eu sentir nascer em minhas entranhas cansadas. Estou exausto, e agora são meus olhos que pesam pedindo minha cama, pedindo que a alcance antes que adormeça neste sofá de estampa desbotada.

Preciso dormir.
Estou acordado, mas já posso dormir.
Deixei o peso sobre a dor enfadada...
A dor dessa estampa, tão desbotada.


domingo, 27 de janeiro de 2013

O silêncio de Casa

O sol está tão vivo hoje.
E o céu mais azul que de costume.
Isso me lembra daquela semana, aquela semana fatídica.
Lembro bem que, pouco depois de ter lhe perdido, os dias foram lindos. Por fora, lindos.

- É o céu fazendo festa pela chegada dela!
- É, deve ser.

E hoje, mais uma vez, o dia está lindo. E por fora, minha pele brilha como se a vida fosse um córrego de água cristalina. Eu vejo o quanto ainda existe de beleza no mundo, mas por hoje só da minha janela. A casa está mais silenciosa que o habitual.
Porque hoje morreu tanta gente. Hoje morreram tantos pais, e eu sei o que isso significa. Eu vivo com gente morta, mesmo que parcialmente, mesmo que somente em algumas partes. Vivo com a morte dentro de mim também, um pedaço que lentamente se degenera até nada mais existir. É lento, mas está lá. Nada há de virar, mas até nada virar, está lá. E eu cá, na janela lateral, a esperar. E olhar. E esperar.

Eu queria tanto que nossa compaixão fosse o bastante. Queria que o corpo perdido não representasse muito, queria que vocês não fossem impelidos a se afogar em lágrimas. Mas não dá. Não dá para lhes salvar do que há de mais natural... Somos um corpo também, é impossível fugir dele, e por isso existe o luto.

O luto pelas palavras não mais trocadas. O luto pelos abraços partidos. O luto pela certeza negada de que um filho não voltará ao ninho. O luto pela filha que não está mais comigo. Luto pelo fragmento de vida que está por aí. E aqui. Sim, aqui.

E hoje, mais uma vez, o dia está lindo. Aberrante, impreciso, cheio de corpos, cheio de ausências que pesarão sobre meu sorriso.

A beleza consegue ser tão sonsa... A beleza, às vezes, é só um vício.




"Come, baby, let's drown..."

domingo, 20 de janeiro de 2013

"Flor"

Esse texto é tudo o que posso ser. Tudo o que mais quero ser.

Eu ouço você chegar. Tiro meus chinelos velhos e me deito na cama, esperando chamar meu nome pra que possa responder como quem não quer nada, “no quarto, vem aqui”. Eu lhe olho entrando e abro meu sorriso mais gentil... Você já pode me beijar.

- Como foi seu dia?
- Uma porcaria, lembra daquele fulano da secretaria? Fez merda de novo, e ainda perdeu uns arquivos com o contrato da prestadora de serviços! Consegui recuperar depois, mas deu trabalho... E o seu? Chegou mais cedo em casa...
- Tudo tranquilo, como tive de passar no banco consegui sair mais cedo e vim direto pra cá. Vim pensando em você...
- Pensando em mim? Por quê?
- Você, meu marido, espera que tenha outra razão pra lembrar de você?
Começou o romantismo... - diz, já sorrindo.

Capturando minha hesitação com seus olhos imensos e escuros, você se aproxima de mim e beija. Beija como onda alcançando a areia. Beija como um marinheiro, encantado pela beleza de uma sereia. Beija, beija com doçura, mas segurança, a segurança de quem sabe como beijar. Como me beijar, me amar.

E eu sinto seus braços me envolvendo, e meu coração batendo, minhas forças cedendo ao poder que só você tem sobre mim. Quanto mais perto chega, ouço também sua respiração, seu coração veloz e acelerando, como uma força natural, como a promessa de boa terra que li em sua pele, desde a primeira vez que o toquei.

- Você lê com as mãos?
- Não preciso dos olhos quando é você que vejo.

E mais um beijo, agora mais forte, mais sugado, mais roubado que antes e me fazendo desfalecer por uns poucos segundos. Começo a me despir de qualquer empecilho, ao passo que você faz o mesmo, e assim sinto que chega a hora de nos unirmos, como costumamos fazer. Mesmo violado, eu sou uma flor. Mesmo animalesco, você honra meu ardor. E fazemos amor.

Nós fazemos amor.

- Eu te amo.
- Eu te amo mais...
- Vai começar com essa besteira?
- Tá bom, você me ama mais...
- Eu te amo igual. Nós somos iguais.

- Nós somos um só, meu amor.

Somos natureza, natureza sagrada. Flor inviolável, da alma.