domingo, 3 de março de 2013

Ray of Light, em três partes



Hoje meu disco predileto de Madonna completa 15 anos. E até tentei escrever um texto semelhante ao que fiz para o Erotica (que fez 20 anos em 2012), mas não consegui. Acabei apelando para os sentidos, e deles nasceram três partes de uma história não-linear e incompleta. Uma história que representa parcamente o que o Ray of Light é para mim. Espero que haja espaço para vocês também, aqui.

E parabéns, Rol! Muito obrigado.


LIGHT

PARTE I - Drowned World/Substitute For Love & Ray of Light

E é um mundo em minha vista. Um mundo inteiro, cheio de acertos, de erros, de sonhos, desejos, apelos e desapegos, fogo morto, chama viva. É um mundo inteiro que hoje vejo, da janela que se abre em minha mente e traz, no zéfiro desta noite escura, a certeza de que a alma não só visita. Ela é viva, e quer vida.
Pois é um mundo tão grande, gira tão rápido, e mesmo não saindo de seu lugar continua eternamente a mudar. É um mundo que morre e renasce todos os dias, uma imensidão que explode em todas as cores espalhadas pela trilha. É vermelho, é amarelo, é azul e cinza. Rosa choque, branco de paz, preto de luto, verde de vida. É certeza de que seu peito explodirá, todo dia. É certeza de que teremos algo por nós, todo dia.

E o amor é suficiente. E o mundo é suficiente. A comida, a nudez, as palavras, todas são suficientes. Eu estou em casa.

“This is my religion”

É suficiente.


PARTE II - The Power of Goodbye & Frozen

Ouço o silêncio entre nós, e como se soubesse que a noite está para acabar, abro os olhos para contemplar o resto da escuridão. E nela vejo as lembranças. Vejo os presentes, as festas, as noites em claro e os dias, tão iluminados... Eu vejo a distância. E um resquício ínfimo de esperança.
Mas não posso me apegar a ela, o tempo disso já passou. Ouço mais uma vez o silêncio, e um peso em mim se alojou. Acho que você foi à porta... Será que finalmente vai embora?

“Your heart is not open, so I must go”

Nem o seu, muito menos o seu. Na verdade, não posso nem falar coisas assim, pois não houve culpados. Tentamos com toda a força que restava reconstruir esta casa, mas como edificá-la se a terra sob ela foi roubada? Não temos mais chão, não temos mais nada. Observo a escuridão cada vez mais ciente de que a manhã é chegada.
E pela segunda vez, você foi à porta. Pela terceira vez, depois de voltar à cama, vejo sua sombra caminhando até lá fora. E entre palavras que não valem de nada, já com a luz invadindo o espaço, dou-lhe um beijo enfadado e desejo o melhor como resposta.
O melhor... Quem se importa?

“If I could melt your heart...”

Mas ele não era frio.
Só invernava.

Vejo a neve caindo, nesta casa.


PARTE III - Mer Girl

Eu sou uma mulher que procura. Eu corro enquanto procuro. E mesmo indo rápido, reparo em todos os detalhes que meus olhos possam captar. Eu ouço você chorar, nunca pude lhe ignorar.
Mas eu sou uma mulher que corre de monstros, e de fantasmas. Eu corro deles e a seu encontro, já que na inconsciência de minhas passadas continuam a aparecer em todo lugar. A meu lado, minha mãe. E do outro, minha filha. Eu as engulo, não posso evitar. E eu corro, não posso evitar.
Porque a corrida não é o bastante. Porque a vida também não é. Se nenhuma das duas tem função de fato, poderia até parar... Mas minhas pernas não me deixam por um instante pensar em ficar. Não posso ficar. E corro, com a mesma intensidade de quando era menina e sabia que você tinha ido embora. Eu corro para lhe encontrar, e lhe abraçar, saber que você não deixou de estar lá. Fui ao cemitério para lhe encontrar.

“And I smelt her burning flesh
Her rotting bones,
Her decay.”

E de lá, eu corri.
Foi como, num instante cego, eu me vi.
E corri.

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"Nothing really matters, love is all we need. Everything I give you, all comes back to me"

4 comentários:

  1. Excelente texto,Hernando,adorei
    muito boa a forma como você captou a essencia das musicas do Ray Of light,com toda suavidade.muito bom,gostei muito <3

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  2. Só pude ler hoje... Achei belíssimo. Me identifiquei muito com a parte II. Me agrada a inconsistência e a nebulosidade. O cinza presente nas entrelinhas é a cor que leva, ao fim, à luz. Parabéns pelo texto, Hernando. Gostei muito muito! =) Ass: Pedrinha

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    1. Eu te mandei DM pra saber se era vc porque não tinha visto o Ass HAHAHAHAHA Amei seus comentários, muito obrigado por ler <3

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